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terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A VOLUPIA DA ISCA OU O MANIFESTO ANTI ASAE

«Era outra gente, outro tempo e viva Deus! Ninguém confundia pela efígie um rapaz com uma rapariga ou vice-versa. Ia-se às iscas. Ah! mas não se julgue que as iscas eram o que são hoje. Não. Perdeu-se a poesia das iscas. Iscas boas como havia na Travessa do Cotovelo, esquina da Rua do Arsenal; na Travessa de São Domingos; no Magina, às Portas de Sant'Antão, na Travessa da Queimada; na Novo Dia a São Domingos; e na Rua da Atalaia, esquina da Travessa da Água da Flor, a dois passos do Cunhal das Bolas. Iscas eram em elas e sem elas, isto é, com batatas e sem batatas. Uma isca simples custava um vintém e, com elas, trinta réis. Quem não as comeu não pode sonhar o que isso era.
A casa das iscas da Travessa do Cotovelo era a mais afamada. Vastíssimo armazém, tinha ao pé da porta a chaminé onde o cozinheiro, defronte de uma enormíssima e negra frigideira de ferro, armado de um comprido garfo também de ferro, revolvia no molho as ultra-finas fatias do saboroso fígado...Nos primeiro tempos, o garfo e a faca dos fregueses eram pregados à mesa, umas enormes e compridas mesas, servidas por um banco único de cada lado onde se entrava ou pelo princípio ou passando a perna. Os pratos das iscas eram típicos e próprios; pequenos, de louça ordinária e parecendo mesmo que só comidas neles, com a faca e o garfo próprios, de ferro tosco, elas têm o seu verdadeiro sabor. Com as iscas comia-se uma conserva que os galegos denominavam Conserva à Portuguesa, composta de tiras de cenoura e pimentos verdes e era um verdadeiro achado a junção dos dois petiscos (...)»



Albino Forjaz Sampaio in "Volúpia - a Nona Arte: a Gatronomia",Ed.Domingos Barreira,Lisboa,1949.

Esta simples e singela narrativa gastronómica não passa de uma pequena gota de água num oceano de História e de Cultura,numa encruzilhada multissecular e multicultural de gostos, de cores, de cheiros de afectos, que (ainda) se chama Portugal.


E fora de contexto não faria grande sentido a sua referência, não fora, o universo de valores contidos na evocação, estar em perigo!
É que uma nova organização canhestra e fundamentalista que dá pelo nome de ASAE extravasa as suas competências, usa e abusa dos seus poderes e, a pretexto de defender a saúde pública e de aplicar, obedientemente e sem hesitações, os delírios normalizadores dos eurocratas de Bruxelas, pretende outrossim reeducar-nos a alma, o gosto e os hábitos e, arrancar da nossa memória, uma multiplicidade de ícones, de referências colectivas que fazem parte do denominador comum, do código genético social que nos identifica como povo, diferente dos outros povos.
Deste modo, a ASAE, muito para além de desejáveis funções profiláticas e higienista , parece desempenhar um papel político de baixo jaez ao serviço de politicos incultos, normalizados, sem terra e sem memória que não conseguem viver fora de um mundo robotizado, e conviver com a diferença, com a variante, com a opção.

Pela minha parte rejeito o fundamentalismo desses beleguins que tem vindo, com inaudita e ridicula ferocidade, a pôr o País de rastos.
Tudo farei para impedir que interfiram ou perturbem a minha liberdade, os meus hábitos, o meu quotidiano.
Eu que tinha prometido a mim mesmo deixar de fumar no princípio deste ano, depois de muito pensar voltei com a palavra atrás e, a bem dizer nem durmo, só de pensar na emoção de um dia ser abordado por um comando de tropas especiais SWAT, que vestidos de preto e embuçados como nos filmes, descem velozes por cordas espetadas no tecto do café, confiscando-me em flagrante delito o cachimbo fumegante.
Grandes heróis, esta tropa chefiada pelo Chefe Nunes, o tal da cigarrilha em riste no Casino do Estoril na noite de fim de ano. .
A propósito: quanto terá pago o chefe Nunes para juntamente com a familia passar o Ano no Casino?
Ele há velhos hábitos que não se perdem e a Direcção Geral de Viação é uma grande escola!!!

2 comentários:

escória-porco disse...

Eu, como já cá ando há alguns anos, não acredito que o homem se tenha distraído com as horas e não se lembrasse que a lei "entrava" pela meia-noite. Olha que menino. Aquilo foi deliberado - e, se calhar, o pé de máquina fotográfica do DN até foi avisado previamente - para obrigar a retirar os casinos da lei do fumo. O Assis Ferreira não brinca em serviço e o Nunes (cala-te boca) enfim... prestou-se a isso provavelmente apenas pela grande amizade que os une... HI HI HI.

escória-porco disse...

"Toda a vida" comi no velho 90 da Rua de S. José e nunca me deu nenhuma caganeira. Só lá ía quem queria. Agora que tanto se fala no ambiente e até em taxas para os sacos de plástico, vem o asno do Nunes fazer a apologia de usar um par de luvas descartável e uma caixinha de plástico cada vez que se cortar um pão. Então e os enormes gastos de energia que vão ser necessários para as violentas extracções de ar, se os restaurantes quiserem permitir fumadores? Rogo ao Santo Escória que lance uma praga a esse gajo que lhe dê uma caganeira todos os dias. Velhos tempos do nosso Eça. Aí seria fácil dar-lhe umas "bengaladas" em pleno Chiado.